Saúde, bem-estar, qualidade de vida… temas em voga nos dias de hoje e que estão extremamente presentes no dia-a-dia de todos nós, seja em casa, no trabalho ou nas diversas atividades que exercemos. Nesta semana, o Sistema OCB promoveu a terceira edição de sua Semana Interna de Prevenção a Acidentes de Trabalho e proporcionou aos colaboradores uma reflexão bastante relevante sobre o fato de que pessoas felizes são mais saudáveis.
A palestra ministrada pela cardiologista, especialista em medicina nuclear, Floriana Bertini, tratou de assuntos como estresse, resiliência e, principalmente, felicidade. Reflexões atuais e que valem a pena ser compartilhadas e transmitidas em todas as áreas que atuamos e locais que frequentamos. Confira a entrevista feita com a médica e aprimore suas conclusões.
Afinal, é mais feliz quem tem saúde, ou é mais saudável quem é feliz?
Boa pergunta! Em primeiro lugar: qual a definição de saúde, doença, felicidade ou tristeza? Estamos lidando com questões cujo componente subjetivo é relevante e multifatorial. Quanto à importância da felicidade sobre a saúde, não há muitas dúvidas: a percepção da felicidade e do bem-estar, a nível cerebral, promove a liberação de substâncias endógenas, produzidas pelo próprio corpo, assim como as endorfinas e a serotonina, que retroalimentam a sensação de bem estar, por meio de uma série de mecanismos – foco atual dos estudos da neurociência. Ou seja, quando o nosso corpo produz analgésico para nossas dores. E de graça!
Já em relação ao fato de que quem tem mais saúde é mais feliz, isso depende! Depende da maneira como se encaram os fatos. Se a gente adotar uma postura “arrogante” em relação à vida, de acordo com a qual ter saúde venha a ser o “mínimo” necessário, talvez, não! Pois a saúde não seja motivo de felicidade. Mas, à medida que se desenvolve um sentimento de consciência e gratidão pelas funções vitais básicas, tais como respirar, perceber que o coração está batendo, enxergar, se locomover, raciocinar… aí, sim, a saúde passa a ter um papel relevante enquanto mecanismo facilitador de felicidade.
O que é cascata neuro-hormonal do estresse? E como combate-la?
A cascata neuro-humoral do estresse é a reação adaptativa fisiológica do organismo diante de uma situação real ou antecipada de ameaça. Sua inegável importância filogenética foi em grande parte responsável pela sobrevivência dos seres humanos desde o início da história, até os dias atuais.
Trata-se de uma série de mecanismos mediados principalmente pelo sistema nervoso autônomo (ou seja, involuntário) e pelo eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, que liberam, em última análise, substâncias como a adrenalina e os glicocorticóides, necessários para o adequado funcionamento da resposta de fuga ou ataque.
Assim, para fugir de um dinossauro, por exemplo, ou atacar uma presa para se alimentar, na pré-história, o homem já precisava que o seu coração batesse mais rápido, que a sua pressão arterial subisse para bombear mais fluxo sanguíneo e, com isso, ajudar as pernas a correrem mais, a intensificar a respiração… Ainda temos que conviver com vários tipos de “dinossauros”, hoje em dia! O estresse é um deles.
O problema começa quando a reação ao estresse se torna crônica, recorrente ou contínua, de tal forma que o organismo passa a viver em constante estado de alarme, sem pausas para o descanso e restabelecimento fisiológico da homeostase ou equilíbrio.
O organismo submetido ao estresse “sem pausas” tende a sofrer maiores incidências de diabetes, dislipidemia, hipertensão, neoplasias, doenças auto imunes, além de maior predisposição a infecções.
Como combatê-la? Não há como! Diria que há como aprender a modular essa cascata neuro-hormonal do estresse… Não existe uma receita, mas hábitos de vida saudáveis (como alimentação balanceada, prática regular de atividades físicas, boa qualidade do sono) e os cuidados com a higiene mental (a educação treinável da atitude mental mais saudável em relação aos fatos) ajudam a controlar as reações do organismo ao estresse e aumentam a percepção do bem-estar, enquanto protegem o organismo dos efeitos nocivos da exposição ao estresse ininterrupto.
Qual a importância da gratidão para a saúde?
A gratidão é terapêutica: favorece a saúde de quem a pratica. Diversos estudos científicos demonstraram que a gratidão tem o poder de interromper a cascata neuro-hormonal do estresse, gerando sensação de paz, equilíbrio e bem-estar.
A que você atribui o aumento de pesquisas sobre felicidade?
A felicidade não é apenas um estado de bem-estar: maiores índices de felicidade estão relacionados a maior criatividade e produtividade no trabalho, menores índices de absenteísmo, melhora na qualidade de vida em todos os sentidos. Felicidade é praticamente uma necessidade básica. De fato, o número de publicações científicas sobre os efeitos benéficos da felicidade e suas repercussões biológicas, psicológicas e sociais centuplicou da década de 80 para cá. Acredito que essa proliferação de literatura específica seja o resultado de um interesse cada vez maior sobre o assunto, aliado à evolução dos métodos diagnósticos da Neurociência. Em outras palavras, o Ocidente está documentando cientificamente os efeitos de práticas que a sabedoria oriental já conhecia e respeitava há muito tempo.
É possível traçar um paralelo sobre dinheiro versus felicidade?
Pergunta delicada! Todo mundo já ouviu dizer que dinheiro não compra felicidade, mas, certamente, a falta de recursos financeiros não deixa de ser uma causa respeitável de infelicidade. De acordo com o mapa da Geografia da Felicidade divulgado pela ONU no Relatório Internacional de Felicidade no Mundo em 2016, existe uma inegável sobreposição entre os países de maiores PIBs e FIBs, tanto é que os dez países mais felizes do mundo são os nórdicos e os dez menos felizes encontram-se todos no continente africano. No entanto, estudos demonstram que, uma vez acima da linha de pobreza, ou seja, a partir do momento em que a renda é suficiente para assegurar as necessidades básicas, não há correlação linear entre acúmulo de fortunas e percepção da felicidade.
Em 2014, o Brasil ocupava a 16ª posição no ranking dos países mais felizes. Em 2016, o país caiu seis posições. Poderia explicar o motivo?
Em 2012, a Organização das Nações Unidas (ONU) publicou o primeiro relatório sobre a felicidade global, estudando 155 países participantes, de acordo com os critérios de Felicidade Interna Bruta (FIB), suporte social, liberdade de expressão e de decisão, generosidade da população, índice de corrupção no governo e oportunidades de empregos e negócios, renda per capta, expectativa de vida, e desigualdade social.
De dois em dois anos, são divulgados relatórios atualizados e, de fato, do penúltimo para o último o Brasil sofreu uma queda no ranking do 16º para o 22º lugar. As razões para essa queda certamente são multifatoriais, mas particularmente acredito que uma maior tomada de consciência por parte da população em relação ao momento socioeconômico atual seja um dos fatores preponderantes. Mesmo assim, gostaria de reforçar o grande efeito da resiliência e do otimismo do povo brasileiro que, com todas as dificuldades reais a serem contornadas, ainda assim, de acordo com os critérios analisados, está à frente de 133 outros países.
Com base nas pesquisas de Sonja Lyubomirsky, como a felicidade é composta? E porque esses percentuais são tão importantes?
De acordo com Sonja Lyubomirsky, a percepção individual da felicidade é composta por: 50%, fatores genéticos; 10% são compostos pelas circunstâncias (aquele ‘sonho de consumo’ que se conseguiu realizar, o time do coração que ganhou um jogo, o candidato em que votamos que venceu a eleição…); e os outros 40%, porcentagem considerável, dependem do nosso comportamento, ou seja da atitude mental de cada um frente às situações.
A notícia boa é que, apesar de atualmente não termos muitos instrumentos disponíveis para atuar sobre a genética, o comportamento de cada um é treinável, ou seja: cada um pode assumir em boa parte a escolha de ser feliz ou não e treinar o próprio cérebro para ter um desempenho progressivamente melhor nesse sentido, sendo protagonista da própria qualidade de vida.
É possível ser feliz 24h por dia?
Não! Não acredito que seja possível, na vida real, ser feliz 24 horas por dia! Seria alienação! A felicidade é dinâmica e é importante preservar o discernimento, sempre; a tristeza é uma emoção básica que deve ser reconhecida, respeitada e cuidada; e a neutralidade é um estado de espírito benéfico e real, em diversos momentos do dia.
O que é possível, sim, é aproveitar ao máximo os momentos de felicidade, com gratidão, justamente porque nem as coisas, nem os estados emocionais duram para sempre. Exatamente por isso a gestão do tempo é um dos pilares mais importantes do FIB.
É possível ser feliz mesmo estando doente?
Com certeza! É possível ser feliz mesmo estando doente, apesar da legitimidade da tristeza. É muito importante que se diga que, a felicidade, na doença, tem potencial terapêutico fundamental.
Fonte: Sistema OCB